A aprovação, em primeiro turno na Câmara dos Deputados, da PEC (Proposta de Emenda Constitucional) que reduz de 18 para 16 a maioridade penal em casos de crimes hediondos, pode criar um efeito cascata sobre várias outras legislações brasileiras. Uma delas é o trânsito.
Segundo especialistas, caso passe por todas as instâncias de votação na Câmara e no Senado – processo que pode demorar alguns meses ou até dois anos -, a medida abriria brecha jurídica para que jovens a partir de 16 anos consigam obter a CNH (Carteira Nacional de Habilitação).
Isso acontece porque a lei atual não estabelece idade mínima para entrar no processo de habilitação: o que o artigo 140 do CTB (Código de Trânsito Brasileiro) determina é que o candidato precisa ser “penalmente imputável, saiba ler e escrever e possua RG (registro de identidade)”. “Penalmente imputável” significa estar apto a responder criminalmente por seus atos, algo ao qual cidadãos de 16 e 17 anos passariam a se enquadrar, mesmo que de maneira parcial, caso a PEC vire lei.
“Há um risco sério de que jovens de 16 e 17 anos se sintam no direito de requerer a CNH, e aí cabe à Justiça determinar se a imputabilidade se aplica às leis de trânsito. Por exemplo: de acordo com a proposta aprovada na Câmara, uma pessoa de 16 anos que causou um acidente de trânsito com morte estaria imputável a responder por homicídio com dolo eventual; logo, tem autorização para ter a CNH”, explicou Maurício Januzzi Santos, presidente da Comissão de Direito Viário da OAB-SP.
Associação dos Detrans quer alteração no CTB
A situação pode ficar ainda mais fácil caso os legisladores modifiquem a PEC ao longo do processo e estendam a redução para qualquer tipo de crime. Neste caso, adolescentes de 16 anos passariam a ter imputabilidade plena e, assim, precedente jurídico ainda mais mais forte para tirar a CNH.
Temendo essa possibilidade, a AND (Associação Nacional dos Detrans) anunciou nesta semana que fará um pedido formal para alterar o artigo 140 do CTB. Segundo o órgão, a aprovação da PEC pode levar quase 6,9 milhões de jovens entre 16 e 17 anos a terem aptidão para tirar carteira de motorista “de uma só vez”, o que causaria grande impacto em toda a operação dos departamentos de trânsito.
“Mais do que o aumento da procura pelos nossos serviços, teremos que rever todo o processo de formação futuros motoristas. A linguagem das aulas, das campanhas, tudo muda”, salientou o presidente da AND, Marcos Traad.
Há ainda o fator da maturidade: dados do Seguro DPVAT apontam que, das 763 mil vítimas de acidentes no trânsito brasileiro em 2014, 52% estão na faixa de 18 a 34 anos. “As principais causas são excesso de velocidade, consumo de álcool e imprudência. Será que um jovem de 16 tem consciência dos riscos e está preparado para evitar este tipo de conduta?”, questionou Traad.
Essa pergunta foi levada à psicóloga Patrícia Andrade, que foi enfática na resposta. “Não, um jovem de 16 anos ainda não tem plena noção de responsabilidade para com outras pessoas. É claro que ele será capaz de aprender o ato de dirigir, mas ainda está numa fase de aprendizado sobre suas responsabilidades em relação ao outro”, disse.
A psicóloga frisou que esse processo de formação de caráter ainda não está concluído aos 18, idade mínima atual para se ter a CNH, mas que o processo de maturidade, ao menos, já se encontra em estágio mais avançado. “Uma pessoa com 18 anos entra na universidade, ganha mais autonomia e adquire vivências diferentes, que lhe dão uma maior noção de responsabilidade e de mundo”, comparou.
Do Uol