A menina de 10 anos que engravidou após ser estuprada em São Mateus, no Espírito Santo, viajou rumo a outro estado do país, onde será submetida a procedimento para interrupção da gestação.
A criança viajou acompanhada de um familiar e de uma assistente social. O destino ainda é mantido em sigilo.
A ordem para interromper a gravidez é do juiz Antônio Moreira Fernandes, da Vara da Infância e da Juventude.
Ele atendeu a um pedido do Ministério Publico do Espírito Santo (MPES) e determinou que “seja realizada a imediata análise médica quanto ao procedimento de melhor viabilidade para a preservação da vida da criança, seja pelo aborto ou interrupção da gestação por meio do parto imediato”.
A criança chegou a ser internada no Hospital Universitário Cassiano Antonio Moraes (Hucam), em Vitória, mas a equipe médica do Programa de Atendimento as Vítimas de Violência Sexual (Pavivi) se recusou a realizar o procedimento no sábado.
Em um ofício em que justifica as razões da recusa os médicos afirmam que “a idade gestacional não está amparada pela legislação vigente” que permite o aborto no país.
De acordo com o documento, obtido pela reportagem, a menina está com 22 semanas e quatro dias de gestação.
Na decisão que autorizou a interrupção da gravidez o juiz trata da idade gestacional e se baseia na Norma Técnica de Atenção Humanizada ao Abortamento, editada em 2005 pelo Ministério da Saúde, para autorizar a interrupção da gestação.
Segundo o juiz, a norma “assegura que até mesmo gestações mais avançadas podem ser interrompidas, do ponto de vista jurídico, aduzindo o texto que é legítimo e legal o aborto acima de 20-22 semanas nos casos de gravidez decorrente de estupro, risco de vida à mulher e anencefalia fetal”.
De acordo com Thiago Bottino, professor de direito penal da Fundação Getúlio Vargas (FGV/RJ), o tempo de gestação não faz diferença do ponto de vista jurídico.
“Não faz nenhuma diferença do ponto de vista jurídico. Se tivesse com poucas semanas ou com muitas semanas, é indiferente. O que autoriza esse aborto é a forma pela qual ocorreu a concepção, por meio de um estupro. Nesse caso, não interessa qual é a idade gestacional, isso jamais poderia ter servido de argumento para essa equipe médica se recusar a fazer o que o juiz determinou”, disse o professor para a GloboNews.
“A justificativa apresentada de que a idade gestacional não estava de acordo com a lei é totalmente equivocada. A lei que existe é o Código Penal, e ele deixa bem claro que é um direito da gestante interromper a gravidez quando é resultante de estupro”, explicou.
O promotor Fagner Cristian Andrade Rodrigues defendeu o aborto como um direito da menor, inclusive para que ela possa se recuperar dos danos psicológicos causados pelo estupro.
“A idade gestacional da protegida encontra-se no limite metodológico dos diferentes tipos e riscos de abortamento enquanto ato médico. Esse fato é relevante e precisa ser verificado pelos profissionais que irão realizar o procedimento, porém, segundo a literatura, não é impeditivo para a interrupção da gravidez, exceto se, no caso concreto, constituir risco de vida para a mãe. Entretanto, é de se considerar que se o risco para a vida da mãe é óbice para a interrupção no estado em que se encontra, o que se dirá ao fim de nove meses de gestação? Apesar dos riscos relacionados ao aborto aumentarem com a idade gestacional, o risco de morte entre abortos acima de 21 semanas de gravidez é bastante incomum, ou seja, o aborto, mesmo nas idades gestacionais mais avançadas, é marcadamente mais seguro do que o parto”.
Na decisão judicial que autoriza a interrupção da gravidez, o juiz destacou o desejo da menor de não manter a gestação. Concluiu que “a vontade da criança é soberana, ainda que se trate de incapaz”.
Um dos profissionais que atendeu a criança relata, na decisão judicial, que “ela apertava contra o peito um urso de pelúcia e só de tocar no assunto da gestação entrava em profundo sofrimento, gritava, chorava e negava a todo instante, apenas reafirmando não querer”.
Em sua decisão, o juiz destaca que o “desejo da vítima pelo fim de sua gestação advinda de uma situação violenta que jamais pessoa alguma deveria ser submetida e, portanto, necessita de ser respeitada e levada em consideração nesta decisão, mesmo sendo ela incapaz de exercer os atos da vida civil”.
Suspeito foragido
O tio da vítima é suspeito do crime. No hospital, a menina relatou que sofria abusos sexuais do parente desde os 6 anos e que não tinha o denunciado porque ele a ameaçava. O homem foi indiciado pela Polícia Civil pelos crimes de ameaça e estupro de vulnerável. Ele ainda não foi encontrado e é considerado foragido.
CNJ pede informações
O corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, instaurou neste domingo um pedido de providências para que o Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) preste informações a respeito das providências adotadas pelo Judiciário local sobre o caso.
Ao abrir o procedimento, o ministro considerou o disposto nos artigos 4º e 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente. Segundo esses artigos, é dever do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos à vida, à saúde, à dignidade, bem como não permitir que nenhuma criança ou adolescente seja objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade, opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.
O presidente do TJES, desembargador Ronaldo Gonçalves de Sousa, tem 48 horas para prestar os esclarecimentos solicitados pela Corregedoria Nacional de Justiça.
Além disso, o ministro corregedor determinou que a Corregedoria-Geral da Justiça do Espírito Santo acompanhe e apure os fatos e remeta o resultado da apuração ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Do G1 Espírito Santo