A Controladoria-Geral da União detectou irregularidades no Programa Mais Médicos pelo Brasil, incluindo oito municípios paraibanos, dos 150 que aderiram ao programa. A fiscalização é feita por amostragem, mas os problemas se repetem em outras cidades. As informações são do jornal Correio da Paraíba.
As principais falhas são o descumprimento na carga horária, registro de atendimento que não foi realizado, acúmulo de empregos, além de não comprovação de curso de especialização, obrigatório para os profissionais e substituição de médicos anteriormente lotados por bolsistas do programa, que representam quase 30% do atendimento em Saúde da Família.
A gerente de Atenção Básica da Secretaria de Estado da Saúde, Rosiani Videres, informou que a falta de cumprimento da carga horária é um problema que afeta a rede pública como um todo. “É uma dificuldade não só na Paraíba, mas, em todo o Brasil. Os profissionais do Mais Médicos são até mais rigorosos, porque tem um supervisor que monitora, diferente dos que não são, que é onde é mais recorrente. Esse é o pior problema, mas, não é o único, são diversos, até mesmo a estrutura das Unidades Básica de Saúde que não estão a contento. A supervisão dos gestores é eficiente, porque há punição, com cortes de recursos. Mesmo que depois da adequação, eles recebam os retroativos”, afirmou.
Segundo Rosiani, a SES também realiza auditorias nos locais indicados pela CGU e solicita apoio às 12 gerências regionais de saúde para verificar se houve mudanças. Outro problema detectado em João Pessoa, foi a substituição de médico anteriormente lotado na Estratégia de Saúde da Família por participante do projeto Mais Médicos. “O programa não é para substituir, é para prover, principalmente aqueles municípios de mais difícil acesso. Onde há mais de 30 mil habitantes, quem não é do Mais Médicos recebe R$ 10.695,00. Esse valor á para a equipe. Geralmente, o gestor paga enfermeiro, auxiliar e médico. Só que na maioria das vezes esse recurso vai todinho para o médico. E ainda tem encargos sociais. O grande benefício do programa é que o recurso não vem para o município, é pago diretamente pelo Ministério da Saúde e não tem encargos. O desconto do imposto de renda é bem pouquinho”, explicou.
Registrado, mas não atendido
A carga horária é de 32h em atendimento e 8h em curso de especialização obrigatório. Em Ingá, uma médica descumpria os dois quesitos, mesmo recebendo o valor integral da bolsa (R$ 10.482,92). A recomendação da CGU é que ela devolva R$ 9.009,62 referente às horas não trabalhadas. Em outubro de 2014, a profissional cumpriu apenas 40% da carga horária. Ela também não estava matriculada em pós-graduação durante a fiscalização, feita no ano passado.
A médica intercambista também registrava com atendimentos realizados a prescrição de receitas médicas. Uma paciente entrevistada pelos fiscais da CGU revelou que foi ao posto de saúde apenas buscar uma receita para o filho e na ficha de atendimento constava que os dois receberam consulta, mesmo sem haver nenhum tipo de contato entre a médica e o jovem, que não compareceu à unidade. Os pacientes se queixaram que não conseguiam entender o que a médica falava, de língua nativa espanhola. Alguns deles até assinaram formulários pedindo a substituição da profissional.
Três empregos
Em Mulungu, a médica intercambista possuía mais dois vínculos públicos, além do Mais Médicos, totalizando 64h de carga horária por semana. Ela era contratada como pediatra na Maternidade Frei Damião e Hospital Materno Infantil João Marsicano (12h cada). A profissional também preenchia a folha de ponto de forma incorreta, pois assinava os dias referentes ao curso e como se as oito horas diárias fossem corridas, sem intervalo para almoço. A médica deverá escolher por dois empregos ou poderá ser desligada do programa. O município também descumpriu sua parte, pois, não forneceu moradia à bolsista.
R$ 2.795,44 foi o prejuízo em Cajazeiras, que além de não cumprimento de carga horária também não comprovou o curso de especialização.
Ponto eletrônico
Em Alagoinha, o médico não conseguiu comprovar a matrícula em especialização. Ele deveria devolver R$ 2.580,64 pelos oito dias não comprovados de dedicação ao curso de especialização. Ele e outro médico também não preenchiam os horários de entrada e saída na ficha. A Prefeitura de Alagoinha informou à CGU que as recomendações estão em execução e que instalou pontos eletrônicos para controle da carga horária. Informou ainda que o médico que não comprovou a especialização deixou o programa em março do ano passado. “Não cabe ao Município acompanhar e fiscalizar os cursos frequentados pelos profissionais da saúde, mas sim à Coordenação do Projeto”, diz o documento.
É obrigação do município fornecer moradia, alimentação e transporte aos médicos participantes do programa. O valor de referência é entre R$ 500 e R$ 2.500,00. Em Pilões, o acordo era de R$ 1 mil, porém, já estava há seis meses em atraso. A Prefeitura informou à CGU que estava com dificuldades financeiras. A folha de ponto também não tinha assinatura de supervisor que comprovasse que estava sendo cumprida, porém, os próprios pacientes afirmaram que o médico tem o hábito de chegar no horário ou até mesmo antes e estender o expediente se preciso.
Irregularidades em João Pessoa
O prejuízo pelas faltas não justificadas de médico e a não comprovação de especialização gerou R$ 8.735,75 de prejuízo. Além disso, foi constatada a substituição de médico anteriormente lotado na Estratégia de Saúde da Família (Valentina) por participante do projeto Mais Médicos. A Secretaria de Saúde foi procurada pela reportagem, mas, até o fechamento desta edição não houve resposta.
Congo e Cuité com menos problemas
O município de Congo foi o que apresentou menos problemas. Todos os requisitos estavam sendo cumpridos pela médica. A única irregularidade foi no preenchimento da ficha de ponto, pois, não estava assinada por nenhum coordenador e a médica tirava apenas uma hora de almoço, em vez de duas, o que fazia constar que a carga horária diária era de apenas sete horas.
Em Cuité, o único problema é que havia ausência de registro de duas horas por semana. A Prefeitura informou que era para deslocamento da médica até Serra do Bombocadinho, de difícil acesso e distante da sede do município. “Considerando o grande período de estiagem em nosso município, o que em muito dificulta o abastecimento de água potável na zona rural e consequentemente nas UBSF rurais e a inexistência de fornecimento de alimentação adequada in loco, dos profissionais que se deslocam diariamente, a Secretaria Municipal de Saúde determinou PROVISORIAMENTE que o atendimento nas UBSF localizadas na zona rural aconteça em horário de 06 horas ininterrupto”, informou o documento.
Nota do Ministério da Saúde
Em nota, o Ministério da Saúde afirmou que vem tomando providências acerca dos casos. Confira na íntegra abaixo:
“O Ministério da Saúde esclarece que vem adotando as providências necessárias para cumprimento das recomendações da Controladoria-Geral da União (CGU). Tais recomendações foram recebidas em dezembro de 2015 e em junho de 2016, e o Ministério vem adotando as medidas previstas na legislação do Programa Mais Médicos, como notificações e advertências para gestão municipal e profissionais, orientações e esclarecimentos.
Todas as medidas adotadas pelo Ministério da Saúde estão previstas na atual legislação e nos atos normativos relativos ao Programa Mais Médicos. Caso haja descumprimento de carga-horária, o médico é notificado para prestar esclarecimentos, e, comprovado o descumprimento, o profissional é advertido com solicitação de reposição de horas. Em casos mais graves, o médico pode ser desligado. No caso de problemas com a contrapartida dos municípios, o gestor é notificado e, caso fique comprovado, o município é descredenciado e os médicos são remanejados para outras localidades.
Problemas com a especialização e a tutoria se concentraram mais no início do Programa devido a demora para matrícula de alguns médicos e dificuldade para contratação de supervisores e tutores em algumas regiões. Atualmente, todos os médicos estão matriculados no curso (ou já se formaram) e recebem supervisão regularmente.
No caso de substituição de médicos, se for identificado que o gestor municipal fez substituição de profissionais ou não tomou nenhuma providência para repor a saída de médicos contratados, as vagas do Mais Médicos no município são bloqueadas. Para fiscalizar isso, o Ministério da Saúde monitora periodicamente o quantitativos de médicos ativos na Atenção Básica dos municípios.
É importante ressaltar que a fiscalização do Programa Mais Médicos é um processo contínuo, em que o Ministério da Saúde tem participação reativa e proativa. Denúncias de irregularidades podem ser feitas por gestores, médicos, cidadãos, por meio da Ouvidoria, ou através de outros órgãos de fiscalização e controle social. A coordenação do Programa segue o rito administrativo previsto na legislação.”